1 de set. de 2014

O Operador Morte: de Getúlio Vargas a Eduardo Campos

Em um texto anterior (aqui), brinquei com uma analogia na vida e na sociedade do conceito de operador: um ente matemático tal como a raiz quadrada de um número, a soma e subtração – ou mais complexos como os que atuam na Mecânica Quântica – transformando uma função em outra, mudando o estado daquilo que sofre sua atuação.

Achei interessante – num exercício de livre-pensamento – a transposição deste conceito matemático para conceituar aqueles eventos transformadores das coisas da vida e do mundo – tal como as pessoas, instituições e países.

Por conta desta ação, tudo é transportado de um estado anterior para outro, ulterior – que pode ser melhor ou pior, maior ou menor, mais simples ou mais complicado.

Dentre os muitos operadores possíveis para as hiper-complexas equações humanas, existe um que surge (como uma das únicas certezas humanas) e muda tudo, sempre.

Este super-operador é a senhora MORTE.




Poderosa e isenta de dúvidas –  inescapável extintora da vida, desagregadora das moléculas do corpo – faz o despejo da alma.

Ocasiona, também, ao meio onde o ente "operado" viveu, dor, vazio, comoção e outras transformações. Por tabela, muda a vida de muita gente - as vezes de nações inteiras!

Mas a mais pitoresca (e irracional) ação deste operador é tornar os atos do ex-vivo – principalmente os que antecederam imediatamente a morte – em algo transcendente, repleto de significado.

A morte operadora suprime  (ou mascara) a "parte má", e exalta (ou diviniza) a "parte boa" da pessoa extinta – se assim puder ser, de algum modo, interpretada. Além disso, pode gerar uma reação de aversão (ou revolta) sobre aqueles que estavam, antes, hostilizando o ente falecido, fato este que pode minar a força e poder de seus adversários (se existirem), e trazer acusações de toda sorte.

Após a operação desestabilizante de extinção da vida, a morte pode transformar um vilão em herói; um assassino/genocida em mártir; um ditador em pai da pátria!

Pode-se também, através deste operador, "sair da vida para entrar na história".

Getúlio Vargas, autor da frase acima, em 2014 volta à mídia devido ao aniversário de 60 anos de sua morte, operada por ele em si mesmo através de um ato suicida.

Outra morte em evidência nestes dias pré-eleições – e exemplo perfeito dos efeitos aqui pressupostos (e o motivador destes escritos) – foi a do candidato à presidência da República Eduardo Campos, em um fatídico acidente de avião.

Me chamou muito a atenção esta coincidência. Duas mortes que transformaram, traumaticamente e repentinamente, a cara do Brasil.

Exemplos de outros passamentos repletos de significado para o país foram as de Tancredo Neves, Tiradentes, Juscelino Kubitschek e Ulysses Guimarães.

Getúlio Vargas, 1954, sabia deste poder operatório e transformador da morte, e se utilizou destas propriedades para inverter a favor de seu grupo o estado político do Brasil à época. Vivia o famoso brasileiro, em seus dias derradeiros, uma situação entendida pelos historiadores como sem saída: ora denominado ditador, ora "pai dos pobres", estava – mesmo na condição de presidente eleito – para ser deposto pelas forças armadas e ser preso.
A morte operada por suas próprias mãos foi a solução encontrada por ele para esta situação –
calculada para ser um ato, antes de tudo, político.
A comoção nacional ante tão forte e tresloucado ato, traria tanto simbolismo e significado que iria destruir os planos de seus adversários, forçando-os a se colocar na defensiva. A força de seu suicídio traria a vitória, e Getúlio, morto, sairia para sempre do palco da vida para deitar, vitorioso, no berço esplêndido da nação. O poderoso operador morte levaria a nação de um estado a outro!

E assim foi: a operação mudou totalmente a função Brasil-1954, e com ela o estado das coisas e o destino da nação (como está amplamente registrado nos livros de história).

Tempos atuais: Eduardo Campos, 2014 – terceiro colocado nas pesquisas para presidente da República – dificilmente sairia desta colocação; segundo informações, ele sabia disto e sua verdadeira intenção seria de se projetar nacionalmente – com olhos fixos nas próximas eleições.

Marina Silva, a ecologista ex-companheira de Chico Mendes, a mulher franzina de projeção nacional, filha da floresta amazônica, era sua candidata a vice – posição acatada depois de muitas atribulações partidárias, pois a intenção mais profunda de Marina era a de concorrer à presidência – o que não pode fazer por força das circunstâncias.

Foi uma trama de acontecimentos difícil de entender que a levou a esta situação, e somente um fato excepcional tornaria possível seu desejo de mudar o estado: de candidata a vice para chefe do poder executivo.

Estavam, então, a poucos meses da eleição, com estabilidade de índices onde a disputa, se houvesse, seria polarizaria entre os dois outros partidos que há muito tempo se revezam no poder; mas, inesperadamente (como comumente acontece – sorrateira que é a moça da foice), a morte operou: um acidente de avião misterioso e fatídico que, ao explodir na cidade, desceu como uma bomba sobre a nação.

"Não pode ser verdade!" "Como?" "Porque?" "Parece coisa do destino".

Esta é a primeira ação das tragédias: o assombro, a dificuldade de acreditar; depois vem a busca do entendimento, dos porquês; em seguida a aceitação e adaptação, entremeada de teorias conspiratórias.

No meio de todas destas fases, a outra ação do operador-ceifador é tornar tudo maior que era: se antes se tratava de um "simples" candidato com seu índice de aceitação e de rejeição bem definidos (e com as inevitáveis denúncias e montagens na Internet sendo feitas como sempre se vê), Campos agora era o elemento surpresa, o salto no gráfico, o dono das emoções e pensamentos da nação.

A trajetória do falecido ganhou destaque e importância, impregnadas de uma certa "aura luminosa" de predestinação, onde até as coincidências são supervalorizadas: na sua última entrevista na TV, sua frase de efeito dita no encerramento, "não desistam do Brasil" soou, diante da tragédia (ocorrida logo após) como mantra, profecia, mandamento!

Tudo ganhou importância, ares de predestinação, de destino!

Por conta desta atmosfera, os adversários foram colocados em uma posição delicada.  Falar mal não seria mais de bom tom. Aliás, melhor entrar na onda e dizer que se é o verdadeiro herdeiro do legado do falecido. E foi o que aconteceu.

Por outro lado, os olhos se voltaram rapidamente para Marina. A equação, transposta de estado pelo operador morte, fechava a conta nela. Com a ex-seringueira como candidata no lugar de Campos, o destino parece se cumprir!

É uma mensagem subjacente, sentida, cheia da energia que vem do assombro e da estranheza. É o sentimento de predestinação.

Este é o exemplo perfeito da força das tragédias e da morte, de como eles brincam com a emoção de uma coletividade, transformando tudo, virando as peças de pernas pro ar e gerando uma nova realidade.
Tudo que foi dito aqui pode ser visto e sentido objetivamente olhando o gráfico com as intenções de voto desde antes do acidente:
Fonte: Blog Brasil Decide.

Assim, ao que tudo indica, o futuro do país tomou um novo rumo. Sai-se, por conta do acontecimento, de uma dicotomia de partidos e entra-se em uma terceira via; Marina, uma surpresa fora do comum desde outras eleições, sofre um golpe do destino a seu favor.

Se continuará assim, se será bom ou ruim, eu não sei, mas que foi mais um episódio histórico derivado de uma morte significativa para ser sempre lembrado – e que está desenhando novos caminhos para o Brasil – ninguém pode negar.

Somente o frio operador morte pode gerar transformações tão intensas em tão curtos períodos. Sai-se da vida e, indubitavelmente, se entra na História.

Contudo... que Deus nos livre deste operador!

DiVal.

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