19 de jul. de 2014

Elefantíase Impiedosa

Elefantíase é a manifestação mais grave da doença chamada filariose, caracterizada pelo aumento excessivo do tamanho dos membros do paciente. Impiedosa é a pessoa que não expressa compaixão, desumana, cruel.
"Elefantíase impiedosa" é como vou chamar aqui uma maldade do tipo "GGG" que certos "humanos" são capazes de infligir a outro ser senciente – bicho ou homem. Extra grande porque é cronificada e contínua: dia após dia, ano após ano, década após década – o acúmulo e o cúmulo da crueldade continuada.

Mais especificamente, a expressão me surgiu vendo este triste e emocionante caso recém-noticiado (10/07/2014):
http://www.wildlifesos.org/blog/rajus-journey-freedom-photo-journal
Elefante Raju (Índia): libertado após passar 50 anos preso com correntes e argolas fabricadas com pontas perfurantes, o animal chorou de emoção ao se ver livre!

Segundo a fundação Wildlife SOS UK, responsável pela libertação do elefante, este passou 50 anos preso – praticamente todas as horas destes anos todos – por correntes com pregos, que causavam lesões e não o deixavam se movimentar, nem nos limites das correntes.
Sim, argolas com pregos nas patas, ao modo de uma crucificação de 50 anos, infligida por animais (des)humanos.
Essa restrição ininterrupta de movimentos causou uma dolorosa artrite no animal, além das outras agressões físicas que sofria e da fome eterna a que era submetido.

Bodas de ouro no cárcere, bodas de ferro em carne viva, bodas vermelhas de sangue.

Advirto: tentar se colocar no lugar do animal e sentir o que ele sentia, causa depressão.

Segundo seus salvadores, quando o animal percebeu que estava livre após tanto tempo de sofrimento, lágrimas de emoção rolaram de seus olhos.
Forte imagem! É como se toda natureza se expressasse ali, naqueles olhos paquidérmicos subnutridos.
Triste imaginar que todos estes anos de convivência não geraram nenhuma afeição por parte dos humanos que estavam diariamente com Raju.
Crueldade do tamanho do majestoso animal, insensibilidade elefantíaca.

Não há como ter certeza que houveram mesmo estas lágrimas, pois não foram registradas, mas com certeza houve a emoção que as geraria. Se não pode concordar de cara com esta afirmação, existem outros casos que vão no sentido de corroborar esta afirmação, como os a seguir (o primeiro, um mamífero humano; os outros, vários casos com outros seres sencientes – estes com vídeo):
  • Menina mantida 17 anos em cárcere privado: Reportagem.
  • Vacas pulando de alegria ao serem postas em liberdade, após uma vida como matrizes de leite: Aqui.
  • Chimpanzés sendo libertados após 30 anos presos em um laboratório. Alguns nunca tinham estado fora da sala: Aqui
  • Outro caso com chimpanzé : Aqui.
  • Cães resgatados, cobaias de um laboratório, veem o sol pela primeira vez: Vídeo.
  • Leão sendo libertado já velho e doente (dos 40 aos 60 segundos). Comovente (mas desconsidere algumas cenas açucaradas)! Vídeo:



Vendo as cenas do leão na hora da libertação – extremamente didático para uma humanidade doente – as imagens resgataram da minha memória (mais do que as imagens, a "atmosfera emocional") o conto "Negrinha", de Monteiro Lobato (1920).

Um resumo: Negrinha – nascida na senzala e órfã aos quatro anos – era a menina dos olhos maus de dona Inácia; dona das mão pesadas como chumbo, dos beliscões caprichados dados por seus dedos duros e frios como o aço do alicate. Negrinha não podia brincar, não podia chorar (nunca pôde). Era mero instrumento de alívio sádico de uma mulher de "virtudes apostólicas", como dizia o vigário:
"O 13 de Maio tirou-lhe das mãos o azorrague, mas não lhe tirou da alma a gana. Conservava Negrinha em casa como remédio para os frenesis. Inocente derivativo:
— Ai! Como alivia a gente uma boa roda de cocres bem fincados!..."
Um dia, quando Negrinha já tinha sete anos, desceram dois anjos à casa. Duas meninas loiras, sobrinhas de dona Inácia e nascidas em berço de ouro. E elas brincavam! "Porque dona Inácia permitia outras crianças brincar?". E, assim, somou-se às dores de Negrinha a dor da injustiça.
Mas como toda criança é novidadeira, Negrinha foi levada pelas meninas, pela primeira vez, a brincar. Aventura das aventuras! Ao pegar – também pela primeira vez – uma boneca nas mãos, aconteceu:
"Negrinha olhou para os lados, ressabiada, com o coração aos pinotes. Que ventura, santo Deus! Seria possível? Depois pegou a boneca. E muito sem jeito, como quem pega o Senhor menino, sorria para ela e para as meninas, com assustados relanços de olhos para a porta. Fora de si, literalmente... era como se penetrara no céu e os anjos a rodeassem, e um filhinho de anjo lhe tivesse vindo adormecer ao colo" (...) "Negrinha, coisa humana, percebeu nesse dia da boneca que tinha uma alma. Divina eclosão! Surpresa maravilhosa do mundo que trazia em si e que desabrochava, afinal, como fulgurante flor de luz. Sentiu-se elevada à altura de ente humano. Cessara de ser coisa –e doravante ser-lhe-ia impossível viver a vida de coisa" (Grifos meus).

Por acaso o vídeo não mostra que sentiu-se assim, de alguma maneira, o leão? É ao modo desta imagem perfeita da opressão e crueldade sobre um ser de menor poder, construída pelo grande escritor Monteiro Lobato, que imagino sentir-se este leão no seu momento com anjos, bem como todos os animais – humanos e não-humanos – libertados após uma vida de aprisionamento e maus tratos. O ambiente de exuberante natureza era seu céu; ali, pela primeira vez, ele podia brincar! É o momento mágico de libertação de uma vida de sofrimento e privação – do tipo que faria um animal do tamanho do elefante chorar. Penso que também para estes animais, de quem roubaram a vida e a majestade, seria impossível viver de novo uma vida de objeto.

Se a sociedade e a cultura humana atuais tornam demagogas as ideias de libertação dos seres sencientes chamados de irracionais, que pelo menos eles tenham o mínimo de condições para sentir um pouco da beleza do mundo; uma vida rica o suficiente para ter valido a pena – mesmo na condição de escravos de humanos e reserva proteica – viver.

Acredito que a humanidade – como raça e sentimento – se desenvolverá com o tempo e, um dia, teremos na terra, naturalmente, uma elefantíase piedosa, onde nenhum animal precisará ser libertado, pois todos serão, por regra, livres da vida de coisa.


EdiVal
19/07/2014
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Um texto para iniciar 2015 refletindo...:




PRECE DE FINAL DE ANO A UM CAVALO

Por Marcio de Almeida Bueno

MARCIO 131212 anda vang

ADICIONAL: